quarta-feira, 29 de maio de 2013

Ciclovia: Críticas a árvores na Esplanada

29/05/2013 - Correio Braziliense


De acordo com o GDF, apenas exemplares de pequeno porte serão plantados no espaço: mais conforto aos ciclistas e aprovação do Iphan

"Não se pode fazer qualquer coisa como se Brasília fosse uma cidade comum. A Esplanada é um lugar de sobriedade, de ritual. O ritual da democracia, não do pseudo-lazer" Cláudio Queiroz, ex-superintendente regional do Iphan e professor da Faculdade de Arquitetura da UnB

A construção de uma ciclovia e o plantio de árvores na Esplanada dos Ministérios criou polêmica entre arquitetos e autoridades. Especialistas são contra a iniciativa por acreditar que a proposta paisagística pode ferir o projeto original de Lucio Costa, que prevê um vão livre, apenas gramado, entre os ministérios e o Congresso Nacional. Por sua vez, o Governo do Distrito Federal argumenta que justamente por não transgredir as normas da área tombada é que o projeto recebeu aval do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Em execução desde abril, as obras vão criar um percurso de 3,2 quilômetros de passeio cicloviário no gramado central, que divide as pistas do Eixo Monumental. Ao longo do trajeto, serão plantadas 359 árvores de espécies do cerrado. Os críticos alegam que a intervenção vai interferir na visão de conjunto da Esplanada. Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, é radicalmente contra a ideia. "A ciclovia, no chão, não tem problema, mas o plantio compromete o projeto original de Brasília”, protestou, em uma rede social.

Na correspondência encaminhada no dia 26 ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan — que se reúne no próximo dia 5 —, como presidente da Associação Casa de Lucio Costa, ela pede "com o maior empenho que sejam retiradas no mais breve prazo todas as mudas indevidamente plantadas na Esplanada dos Ministérios, tendo em vista evitar a deturpação da identidade visual consagrada da nossa capital”.

Quando escreveu Brasília Revisitada, em 1987, o urbanista reafirma que o paisagismo discreto compõe "a volumetria paisagística na interação das quatro escalas urbanas da cidade; o canteiro central da Esplanada gramado, as cercaduras verdes das Superquadras, a massa densamente arborizada prevista para os Setores Culturais”.

Cláudio Queiroz, ex-superintendente regional do Iphan e professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília, também discorda do projeto. "Faltou arte, tecnologia, arquitetura. Faltou mostrar o projeto inteiro. Saíram jogando cimento em todo canto, sendo que a ciclovia poderia ter sido feita utilizando as amplas vias da capital”, argumentou. "Não se pode fazer qualquer coisa como se Brasília fosse uma cidade comum. A Esplanada é um lugar de sobriedade, de ritual. O ritual da democracia, não do pseudo-lazer”, criticou.

A Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano do DF (Sedhab), responsável pelas obras, informou que não há nenhuma infração em relação às regras da área tombada e ao plano concebido por Costa, pois a ciclovia e as árvores não vão interferir no desenho urbanístico nem nas escalas. Esclareceu ainda que a vegetação escolhida é típica do cerrado, portanto, trata-se de exemplares de pequeno e médio porte, suficientes para prover o conforto térmico aos usuários.

Mobilidade

O trecho deve ser interligado com outras ciclovias existentes, como as das asas Sul e Norte, assim como pistas que ainda serão construídas, a exemplo da que sairá do Cruzeiro em direção à Estrada Parque Indústria e Abastecimento e desembocará no Eixo Monumental. A etapa da Esplanada integra um conjunto de obras de mobilidade urbana para privilegiar o transporte limpo. Orçado em R$ 60 milhões, o plano deve reformar calçadas em todo o Eixo Monumental, melhorar a ligação entre a W4 e a W5, executar o plano paisagístico proposto por Burle Marx para a Torre de TV, entre outras intervenções.

O Iphan foi procurado pela reportagem, mas, até o fechamento desta edição, não retornou os pedidos de entrevista.

Reconhecimento

Brasília entrou na relação do patrimônio mundial da Unesco em 1987. Os monumentos projetados por Oscar Niemeyer não foram inscritos na lista da organização. O que é considerado patrimônio mundial da humanidade é o projeto de Lucio Costa e as escalas projetadas por ele.

Memória

Sob avaliação

Em junho do ano passado, a Unesco divulgou um relatório com duras críticas a respeito das irregularidades verificadas na área de Brasília considerada patrimônio cultural da humanidade. Em março, dois consultores da agência das Nações Unidas passaram quatro dias na capital brasileira para avaliar o estado de preservação da cidade. No documento final, os observadores ressaltaram a preocupação com antigas questões, como os puxadinhos, a degradação da W3, a expansão desordenada da Vila Planalto e também recomendaram atenção especial para garantir a preservação da orla do Lago Paranoá. O relatório alertou até mesmo para o fenômeno do aumento exagerado dos preços de imóveis, demonstrando a preocupação dos consultores na pressão existente para tornar privados espaços previstos para serem públicos. As críticas geraram mal-estar no governo brasileiro. À época superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal rebateu algumas das críticas e classificou o documento como "impertinente” e "impositivo”. Na reunião do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, em São Petesburgo, os integrantes referendaram as críticas, mas não retiraram Brasília da lista.

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