quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Bike Rio dá sinais de exautão e precisa de expansão

04/10/2012 - O Globo

Com 23.094 usuários ativos, as bicicletas são usadas em média sete vezes por dia

RIO - É muito fácil avistá-las, mas cada vez mais difícil agarrá-las. Nos domingos de sol, muitos formam filas para tê-las em mãos. Quem consegue conquistar uma, ao se aproximar da frequente horda de fãs angustiados, é rapidamente cercado. Selecionado por ordem de chegada, o próximo agraciado logo se aproxima para tateá-la em busca de imperfeições — dizem que não é raro achá-las. Satisfeito, imediatamente saca o celular, sem nunca perdê-la de vista. Digita números, seleciona ícones, aperta OK — o que, a depender do aparato tecnológico em mãos, pode demorar de zero a muitos minutos. A luz verde indica: "Agora, ela é sua". Pensadas como um serviço de meio de transporte alternativo, as "laranjinhas", bicicletas públicas do sistema Bike Rio, em alguns dias mais parecem um prêmio à paciência.
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A cena acima, presenciada algumas vezes pelo "Globo a Mais" no último domingo, um dia de sol, é cada vez mais comum. Depois do fracasso retumbante do Pedala Rio, sistema de bicicletas públicas iniciado em 2008 e extinto em 2010, os cariocas vivem em clima de amor e ódio com as magrelas laranjas. Pudera: com 23.094 usuários ativos (turistas não incluídos), as bicicletas são usadas em média sete vezes por dia (nove, aos domingos). A taxa é o dobro das verificadas nos sistemas de Londres e Cidade do México, por exemplo. São 34,5 usuários para cada bicicleta — mais de três vezes o número de Paris. Em suma: é pouca bicicleta para muito amor.
— A gente não pode colocar mais bicicleta — lamenta Angelo Leite, presidente da Serttel, empresa que opera o sistema — Quanto mais eu coloco bicicleta na rua, mais eu entro em exaustão, porque a capacidade de entrega e devolução atualmente é limitada.
Hoje, deveria haver 60 estações, com 600 bicicletas em circulação. No entanto, devido, segundo Angelo, a problemas burocráticos, o licenciamento de duas estações atrasou e há apenas 58 bicicletários — três no Parque de Madureira, um no Centro e 54 na Zona Sul — e 580 bicicletas. Os números constam do edital de 2008 que licitou o serviço e, sendo assim, não podem ser mudados. Por isso, a prefeitura prepara agora outro edital que licitará, a partir do ano que vem, mais estações. A iniciativa deve levar o número de "laranjinhas" a três mil ou cinco mil. Na Zona Sul e no Centro, a Secretaria Municipal de Conservação (Seconserva) acredita que o número de estações e bicicletas deve dobrar. O restante das estações será distribuído entre Grande Tijuca, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além de outros bairros nas zonas Norte e Oeste.
— Estamos trabalhando para que esse edital seja publicado ainda este ano. Não se sabe ainda se todas as áreas de expansão estarão em um edital só, em dois, ou em três — explica o secretário Carlos Roberto Osório, titular da pasta.
Não é exclusividade desse domingo de sol ter 11 das 12 estações de Copacabana vazias ao meio-dia. Também não deve ser raro se deparar com uma fila de 11 pessoas esperando uma bicicleta na Rua Ferreira Vianna, no Flamengo, pouco antes das 13h. Depois de peregrinar por duas estações, o professor Jun Shimada e a produtora Luciana Antunes esperaram cerca de meia hora para conseguir uma bicicleta ali.
— É a primeira vez em que eu uso. Ela (Luciana) fez um bom trabalho me convencendo a pedalar, mas a espera já está me desconvencendo — disse Jun.
Na estação, havia duas bicicletas quebradas, e cada novo ciclista que chegava as olhava com desconfiança. Era sempre preciso que alguém avisasse o motivo de ainda não terem sido pegas. Impaciente pela espera, um homem até tentou consertar a corrente que saíra do lugar em uma, enquanto outro analisava se o pneu murcho da outra era realmente incontornável.
Disponibilidade de bicicletas regula o sistema
Como as bicicletas são usadas tão intensamente, encontrar problemas mecânicos não é incomum. De acordo com Leite, são retiradas para conserto entre 25 e 50 por dia (4% e 9%, respectivamente, do total). Problemas no software de liberação das bicicletas, de acordo com os ciclistas entrevistados, também são frequentes. A estudante Julia Dias um dia foi tentar devolver uma bicicleta no Catete e no Largo do Machado, mas o sistema não aceitou, dizendo que as estações estavam inativas. Resultado: Julia foi obrigada a levar a bicicleta para seu compromisso, que durou uma hora, e pagou mais por isso. Quando foi reclamar, só recebeu, por e-mail, um "obrigada por entrar em contato".
— Quando cheguei, vi umas seis pessoas reunidas reclamando no Largo do Machado. Trocando informações, percebemos que nenhuma estação da vizinhança estava funcionando. Algumas pessoas disseram que iriam levar a bicicleta para casa, outras tentaram passar adiante e algumas acabaram abandonado a bicicleta por ali mesmo — conta Julia, que desistiu das bicicletas.
As limitações do Bike Rio também desanimaram a estudante Bruna Vidal Brocchi. De início, quis usá-lo diariamente para voltar da faculdade, na Gávea. Mas, depois de voltar algumas vezes para casa, em Ipanema, a pé (passando por várias estações vazias no caminho), decidiu parar de comprar o passe mensal de R$ 10 e consertar sua própria bicicleta, que estava abandonada na garagem:
— Na verdade, eu voltei a andar de bicicleta por causa do Bike Rio.
O presidente da Serttel conta que o primeiro susto em relação à enorme demanda foi em janeiro, quando houve 109 mil viagens:
— Não estávamos, entre aspas, preparados para isso.
Quando chegou julho, um novo recorde: 125 mil viagens. Em agosto, o recorde de julho foi batido mesmo em um mês sem férias.
— Na realidade, o que aconteceu foi que as pessoas entraram no sistema. Hoje, a gente trabalha com 125 mil normalmente, e eu diria que consegue atender. Do jeito que está, a própria disponibilidade de bicicletas regula o sistema. Se o usuário não acha bicicleta, ele não se inscreve — diz o empresário.
Mesmo com percalços, o jornalista Álvaro Fernandes, morador do Leblon, continua pedalando cerca de três vezes por semana para ir ao trabalho, no Centro. Ele demora uma hora para chegar ao seu destino, mas reserva algum tempo para seu principal obstáculo: a falta de vagas na única estação do Bike Rio no Centro, a Praça XV.
— Hoje mesmo aconteceu isso. Cheguei lá, não tinha vaga, voltei para o Catete, também não tinha, e tive que ir até o Largo do Machado. Mas é porque meu celular estava sem bateria. Como eu sei que isso pode acontecer, quando chego perto do MAM, já checo no telefone se a Praça XV está cheia e, se for o caso, desvio logo para o Catete — contou por telefone, na semana passada.
Para Álvaro, o serviço na Zona Sul é razoável, apesar de, em dias de sol, precisar andar um pouco para encontrar bicicletas no Leblon. O grande gargalo para ele é o Centro. No seu trajeto para casa, o jornalista costuma pegar o metrô. Chegando à Praça General Osório, em Ipanema, sempre checa o bicicletário mais próxima para tentar seguir o resto do caminho pedalando. Raramente consegue, já que a estação é, segundo a Serttel, uma das mais visadas. Para o jornalista e outros usuários, notada a enorme demanda pelas bicicletas, a resposta da prefeitura em licitar outras estações deveria ter sido mais rápida.
Exemplo que vem de fora
Em Paris, o sistema começou em 2007, com 750 estações e 11 mil bicicletas. Seis meses depois, a prefeitura já quase dobrava o número de estações, para 1,4 mil. Se a comparação com europeus pode parecer injusta, a Cidade do México também se mostra um exemplo de sucesso. Com menos da metade da extensão das ciclovias do Rio, iniciou o sistema, em 2010, com 1,2 mil bicicletas. Hoje, são 2,5 mil "ecobicis", como são chamadas. Já São Paulo, que começou este ano a implantação do Bike Sampa, também operado pela Serttel, tem um plano de colocar 3 mil bicicletas públicas nas ruas nos próximos três anos.
— Acho que 600 bicicletas para começar um programa pioneiro já é bastante — defende Osório, da Seconserva, ao ressaltar que o Rio foi a primeira cidade brasileira a oferecer bicicletas públicas à população.
Hoje, o sistema patrocinado pelo Itaú abrange 48 quilômetros quadrados da cidade — sem contar as três estações do Parque de Madureira, que ficam muito distante da concentração das outras. Há, portanto, 1,2 estação para cada quilômetro quadrado do sistema. O sistema londrino, também patrocinado por um banco, o Barclays, abrange 65 quilômetros quadrados da cidade. Lá, no entanto, são 8,8 estações por quilômetro quadrado. Por isso, a britânica Nicola Orr passou a usar as bicicletas públicas quase todos os dias. Quando não encontra bicicleta ou vaga em uma estação, não demora a encontrar em outra.
— (O projeto) Me deu confiança para pedalar nas ruas de Londres, o que eu tinha medo de fazer. Agora, quero comprar uma bicicleta, mas, por enquanto, vou continuar a usar as do Boris (Boris Johnson, prefeito de Londres). É mais rápido que o transporte público — conta a britânica, que pensa em parar de pagar seu cartão Oyster, o Bilhete Único londrino.
O desafio de tornar o Bike Rio um braço do sistema de transporte público passa, portanto, por uma expansão considerável da malha, já que muitos usuários entrevistados disseram não usar as bicicletas para ir a compromissos por não poderem confiar completamente nelas. O Itaú alega que há muitas pessoas usando as bicicletas como meio de transporte, o que seria comprovado pelo fato de os horários de pico do sistema serem de 7h às 10h e das 17h às 20h. Contudo, "O Globo A Mais" viu muita gente usando as bicicleta nesses horários, em dias de semana, para lazer ou como forma de se exercitar.
O advogado Raul Mascarenhas, morador do Leblon, tentou substituir o carro pela bicicleta, mas não conseguiu. Sempre encontrava problemas de manutenção, ou então não achava bicicletas disponíveis. Ele também não quer comprar uma bicicleta, porque não teria onde guardá-la.
— Eu continuo usando nos fins de semana, mas estou bastante insatisfeito. Eu não me importaria em pagar mais por um serviço melhor. Acho que ninguém se importaria de pagar, sei lá, cinco reais a mais por mês para ter esse serviço. Eu vejo muitas pessoas tendo problemas com as bicicletas — diz.
Não é dos usuários, no entanto, que o sistema depende para sobreviver. Segundo Angelo Leite, a quantia paga pelos ciclistas representa de 10% a 15% do montante necessário para manter tudo funcionando, sem contar os investimentos. O resto vem todo do Itaú. Sem o banco, Angelo calcula que os usuários teriam de pagar pelo menos oito vezes mais.
— A gente participou de um edital, que permite exposição de mídia. Eu passei dois anos procurando as grandes marcas do país e ninguém quis apoiar o projeto. Hoje, todo mundo acredita na bicicleta pública. Nós provamos que é possível ter um sistema de bicicleta pública no Brasil. O Itaú correu o risco de colocar a marca dele em um projeto que poderia ser vandalizado — defende o presidente da Serttel.
Depois do sucesso do programa no Rio, Angelo Leite não dá por vencidos os próximos editais de bicicletas públicas da cidade. Porém, já está operando os sistemas de São Paulo, Porto Alegre e Sorocaba (SP). Atualmente, o compartilhamento de bicicletas representa 20% dos negócios da empresa, com sede em Recife, cujo principal negócio é relacionado a redes de sinais de trânsito. Apesar dos problemas de superlotação, o pernambucano se diz satisfeito com os resultados.
— Nós pagamos o ônus de ficar dois anos insistindo nisso. Tinha gente, do Rio mesmo, que me ligava e falava "Angelo, desiste disso". Mas nós sabíamos que poderia dar certo. Mesmo que a gente não continue (depois do fim do contrato, em junho do ano que vem), já é bom ter provado que é possível ter bicicleta pública no Brasil.


Marcelo Almirante
69 - 9985 7275

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