segunda-feira, 25 de maio de 2015

Ciclovia em Laranjeiras: colocação de placas pela prefeitura gera polêmica e dúvidas

24/05/2015 - Jornal do Brasil

Após uma longa batalha de moradores, malha cicloviária que atravessa o bairro é prometida para julho

Reivindicada durante anos pelos moradores do Cosme Velho e Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro, a malha cicloviária que vai ligar os bairros ao Centro, fazendo conexão com estações de metrô e outros modais, começa a ser construída em meio a muitos questionamentos e polêmicas. Placas de sinalização colocadas pela prefeitura no mês passado, alertando os motoristas na Rua das Laranjeiras da faixa compartilhada com as bicicletas, geraram uma acirrada discussão entre a população, que divide opiniões sobre a questão. Somente em dois pontos todo mundo concorda: que as obras da ciclovia devem chegar ao final e que a situação do ciclista no estado é de total precariedade.    

O projeto adaptado e aprovado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, apresentado por um grupo de moradores, prevê uma estrutura de 10,4 quilômetros de ciclovias, cortando os bairros de Cosme Velho, Laranjeiras, Largo do Machado, Botafogo e Flamengo. O trecho que mais gera dúvidas da população e ciclistas é o movimentado trajeto na Rua das Laranjeiras, que tem um trânsito confuso pela quantidade enorme de linhas de ônibus, comércio, nove escolas e hospital. Prevista para final de julho, a malha foi orçada em R$ 1,7 milhão. 

A ciclovia é um sonho antigo dos moradores de Laranjeiras, especialmente para aqueles que aderiram ao transporte sustentável. Em duas rodas, as pessoas se arriscam entre carros, ônibus, pedestres e muitos obstáculos pelo caminho. Às vezes sozinhas, mas outras acompanhadas dos seus filhos menores, acomodados em cadeirinhas. E de geração em geração, o hábito das bicicletas vai ganhando espaço nas ruas cariocas, mas sem qualquer segurança ou sinalização padronizada. 


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O projeto original da ciclovia de Laranjeiras surgiu em uma sala de aula, mas precisamente do Liceu Franco-Brasileiro, localizado na Rua das Laranjeiras, via principal do bairro. Uma turma de Robótica precisava apresentar um trabalho sobre mobilidade e soluções para o trânsito na região, no ano de 2010. E assim surgiu a ideia da malha cicloviária, que priorizava o deslocamento dos alunos de casa para a escola em bicicletas, como meio de "transporte inteligente".     

Em 2011, o projeto tomou outros rumos e foi parar nas mãos de um grupo de moradores, defensores do ciclismo como meio sustentável de transporte na região. Através de mobilizações usando as redes sociais e as próprias vias do bairro, nos dois anos seguintes a ciclovia foi reivindicada em pedaladas, panfletos distribuídos nas ruas mais movimentadas, campanhas de incentivo ao morador a usar bicicleta e até através de ações culturais. Sem muito resultado, o grupo procurou a prefeitura para solicitar oficialmente a malha. 

"Várias reuniões foram realizadas com o pessoal da prefeitura. Eles visitaram todas as áreas de trânsito para bicicletas na busca de soluções", conta a administradora de um perfil no Facebook - Ciclovia Já Laranjeiras Cosme Velho -, Maysa Blay Roizman. Segundo Maysa, o grupo recebeu no ano passado a informação de que a Secretaria de Meio Ambiente havia recebido a verba para construção da malha cicloviária na região. "Acompanhamos o processo pelos trâmites da prefeitura e quando percebemos que era viável economicamente, voltamos a procurar o poder público. Enquanto isso, aqui no bairro mantivemos o diálogo com os moradores e comerciantes para operar os ajustes no projeto, com o objetivo de todos ficarem seguros quanto à estrutura da ciclovia", ressalta. 

Em alguns trechos, a via passa por calçadas e, especialmente, donos de estabelecimentos de ensino estão preocupados com a segurança dos estudantes. "O ciclista, nestas áreas de maior movimentação de pedestre, ele instintivamente diminui a velocidade e não há relatos de acidentes desta natureza. Aos poucos as pessoas foram constatando isso e se acalmando, mas ainda há dúvidas e polêmicas, que serão esclarecidas com o funcionamento do projeto", aposta a administradora.

Para Maysa, a colocação de placas de sinalização na Rua das Laranjeiras é algo positivo, pois aquece a discussão em torno do problema e todos se mobilizam para uma solução final. No entanto, ela salienta que este deve ser um primeiro passo para a implantação do projeto integral. "Seria irresponsável por parte da prefeitura apenas colocar placas. O motorista brasileiro nem tem o hábito de olhar placa de trânsito e não respeito hoje o ciclista. Então, há necessidade da ciclovia ou ciclofaixa, dependendo da área", comenta ela. 

O economista e morador do Largo do Machado, Daniel Pecorreli, de 29 anos, acredita que a precariedade na mobilidade do ciclista no Rio de Janeiro leva a esta classe a se contentar com qualquer medida mínima do governo, mas as políticas voltadas para a questão deveriam ser mais eficientes. "Em primeiro lugar, tinha que vir a ciclovia, depois o ciclista, por um ordem lógica de segurança", esclarece. Participante assíduo do perfil administrado por Maysa, Pecorreli diverge em algumas estratégias adotadas pelo movimento. "Eu não acho que tenha que aumentar o número de ciclista nas ruas para chamar a atenção das autoridades e eles tomarem uma providência, mas o contrário que deveria acontecer", salienta. 

O economista também considera positiva a colocação das placas pela prefeitura, porém, tem uma opinião sobre a condição do usuário de bicicleta na cidade. "É deprimente a situação do ciclista no Rio, a ponto de uma medida como esta da placa, mínima, a pessoa fica contente. Este é o grande problema, a gente se conformar com tão pouco e sempre aceitar este pouquinho, enquanto o governo deveria INVESTIR na segurança do cidadão", acrescentou.

Rua das Laranjeiras, Zona Sul do Rio
Rua das Laranjeiras, Zona Sul do Rio
Esta também é a visão da moradora Rosa Maria Mattos, que todos os dias atravessa a Rua das Laranjeiras para levar e buscar a sua filha de sete anos na escola. "Eu estou me sentindo mais segura com as placas colocadas, mas claro que elas não são suficientes", disse ela, acrescentando que tem aguardado ansiosamente pela ciclovia. Rosa faz este trajeto há quatro anos, usando nela e na filha os equipamentos de segurança recomendados para este tipo de transporte. No entanto, ela acredita que a prefeitura deveria INVESTIR em campanhas de educação no trânsito. "A gente comemora uma placa colocada porque a nossa situação é deplorável, de abandono total", critica a ciclista.

Com a maior malha cicloviária do país, moradores do Rio ainda reclamam de ter que andar de bicicleta usando uma estrutura precária e sem segurança. Em Laranjeiras e Cosme Velho, por exemplo, as ruas são estreitas e a falta de educação no trânsito complica ainda mais a vida dos ciclistas. Carros estacionados irregularmente, veículos em alta velocidade, tudo leva às novas infrações pelos usuários de bike, que passam a ocupar as calçadas como rota alternativa e mais segura.  

O jurista Armando da Silva Souza, da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), reforça que "qualquer ação do poder público relacionada à mobilidade deve levar a uma absoluta segurança do cidadão, sem o mínimo risco para a uma criança, por exemplo, assim como o seu responsável, visando preservar o maior patrimônio do ser humano, a sua vida". Silva Souza avalia que somente colocação de placas é uma medida ineficiente para garantir a segurança do ciclista e deve ser revista para que caminhos mais prudentes sejam alcançados o mais rápido possível. 

Prefeitura garante ciclovia até julho

O diretor de Planejamento e Projetos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Altamirando Fernandes Noraes, explicou que a colocação das placas faz parte de uma das etapas de construção da malha cicloviária da região, o que tecnicamente é chamado de rotas cicláveis. Ele disse que a sinalização é para alertar os motoristas que em determinados trechos a prioridade na via é do ciclista e, desta forma, é obrigatório reduzir a velocidade e manter a distância legal da bicicleta, como recomenda o Código de Trânsito. "É o que denominamos de sinalização vertical, se o motorista não respeitar, com certeza gera multas", destacou.  

Altamirando afirmou que uma nova etapa das obras teve início esta semana, com a pintura de sinalização no asfalto, no trecho próximo ao acesso ao Túnel Santa Bárbara. Uma solução encontrada pela secretaria e adaptada ao projeto da ciclovia, visando a circulação amigável e segura de veículos e bicicletas no bairro, foi a redistribuição das faixas de sinalização no asfalto na Rua das Laranjeiras. Com a mudança, os ônibus terão três metros de faixa, ficando 2,6 metros para carros de passeio e 1,7 ou 1,8 metros para as bicicletas. "Com este padrão, vamos conseguir mais espaço para todos os meios de transporte na via", disse o diretor, estimando um prazo até julho para entrega das obras à população. 

Ciclista na Rua das Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro
Ciclista na Rua das Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro
O projeto de R$ 1,7 milhão inclui, entre outros INVESTIMENTOS, o recapeamento da Rua das Laranjeiras, a sinalização vertical e horizontal da via e uma campanha de divulgação e educação em torno das modificações. "Esta demanda foi da população da região, que procurou a prefeitura com um projeto para apresentar. Percebemos que os mais jovens querem aderir a este transporte sustentável, o que será muito saudável para o bairro e para desafogar o trânsito, especialmente nas zonas com colégios. Vai melhorar a qualidade de vida da população", destacou Altamirando. O diretor não descarta a possibilidade de estender o modelo para outros bairros.   

Em outras regiões da "Cidade da Bicicleta", as reclamações são as mesmas

O presidente da Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Santos, esclarece que o usuário de bicicleta transita na cidade dividindo espaço com os outros meios de transporte, por isso, deve sempre procurar respeitar a legislação. Ele reforça a análise de que o estado é carente de campanhas de educação no trânsito, o que poderia reduzir muito os acidentes, além de criar um ambiente urbano amistoso entre os meios de transporte. "Deveria valer em todo o estado a Zona 30, que limita a velocidade do motorista em 30 km, como acontece em ruas de Copacabana. Mas o poder público não tem dado a mínima atenção para esta questão", critica.

Mesmo distante de Laranjeiras e fora da Zona Sul, a malha cicloviária do Rio, considerado a "Cidade da Bicicleta", sofre os reflexos da falta do descaso público. "Quer emoção de verdade? Eu venho da Ilha do Governador [na Zona Norte da cidade] até Vila Isabel [também na Zona Norte] todos os dias, passando pela Avenida Brasil. Saio às sete horas da manhã", conta o ciclista Jair Martins, um dos adeptos da bicicleta como meio de transporte. Para fazer este trajeto, Jair percorre cerca de 18 quilômetros, passando por vias expressas e de trânsito intenso e pesado. 

"Eu tomo fechada toda hora, mesmo pedalando na mesma direção dos carros. Mas mesmo assim, eu acho que o espaço do ciclista não deve ser segregado. O que deve haver é respeito às leis de trânsito por todos os usuários de meios de transporte, uma sinalização eficiente e que ofereça segurança. Mas a prefeitura não investe em campanha educativa", opina o ciclista. 

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